Ícones do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria

Translate

Pesquisar

Mostrando postagens com marcador História da Igreja. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador História da Igreja. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

A Batalha de Lepanto e o heroísmo de São Pio V



No dia 7 de outubro de 1571, o enfrentamento das esquadras católicas contra as do Islã, no golfo de Lepanto, salvou a Civilização Cristã de terrível dano: a invasão — cujas conseqüências seriam incalculáveis — do continente europeu pelos mouros.

Por intercessão de Maria Santíssima, apesar da enorme desproporção de forças, a armada católica saiu magnificamente vencedora.


*** * ***

Vou destacar aqui um herói da batalha de Lepanto, a respeito do qual pouco se fala. Esse herói foi o Papa São Pio V.

Cristo miraculoso de Lepanto, catedral de Barcelona
O Pontífice via bem o poder otomano crescer cada vez mais, e o perigo de os otomanos se jogarem sobre a Itália ou sobre qualquer outra parte da Europa, e operarem uma invasão que poderia ter efeitos tão ruinosos ou talvez mais ruinosos do que teve a invasão dos árabes na Espanha, no começo da Idade Média.

Nessa situação, São Pio V tinha que apelar naturalmente para o varão que era o apoio temporal da Igreja naquele tempo: Felipe II, Rei da Espanha.

O Imperador do Sacro Império Romano Alemão não tinha condições, por causa da divisão religiosa no império [em razão da revolução protestante], de lutar eficazmente contra os mouros. A França estava corroída por uma crise religiosa muito grande, guerra de religião etc.

A união do poder espiritual com o poder temporal

O Papa só podia contar, dentre as grandes potências católicas, com Felipe II de um lado, e, de outro, com Veneza, que dispunha de grande poder marítimo.

Caso Felipe II se retraísse, a horda maometana desataria sobre a Itália, e depois atingiria toda a Cristandade. Seria o fim da Civilização Cristã no Ocidente. Não seria o fim da Igreja, porque ela é imortal; mas, ao que a Igreja poderia ficar reduzida, ninguém sabe.

Se não fosse a pressão de São Pio V, não se teria realizado a Batalha de Lepanto, porque a Espanha não teria mandado sua esquadra. Esta era o grande contingente decisivo dentro das esquadras aliadas que lutaram e venceram em Lepanto.

Sao Pio V vê a vitória de Lepanto, Notre Dame de Fourvière, Lyon
Assim se compreende melhor por que razão houve a famosa aparição a São Pio V.

Ele estava numa reunião de cardeais, em Roma, e em certo momento levantou-se e rezou um terço pela vitória dos católicos sobre os maometanos, decisiva para a Cristandade. Enquanto o Papa rezava o terço, teve a revelação da vitória das esquadras católicas.

São Pio V foi um verdadeiro herói, como Dom João d’Áustria e os outros grandes guerreiros que venceram em Lepanto.



Plinio Corrêa de Oliveira, 7/10/75.


Fonte: As Cruzadas

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

A indulgência plenária da Porciúncula

Interior da Porciúncula
I - ORIGEM

Numa noite do mês de Julho de 1216, como acontecia em tantas outras noites, na silenciosa solidão da pequena Igreja da Porciúncula, São Francisco ajoelhado no chão, estava profundamente mergulhado nas suas orações, quando de súbito, uma luz vivíssima e fulgurante encheu todo o recinto e, no meio dela, apareceu JESUS ao lado da VIRGEM MARIA sorridente, sentados num trono e circundados por diversos Anjos. JESUS perguntou-lhe:

“Qual o melhor auxílio que desejaria receber, para conseguir a salvação eterna das almas?”

Sem hesitar Francisco respondeu: “Santíssimo PAI, peço que a todos aqueles, que, arrependidos e confessados, vierem visitar esta Igreja, se lhes conceda um amplo e generoso perdão, uma completa remissão de todas as suas culpas”.

“O que você pede Frei Francisco, é um benefício muito grande”, disse-lhe o SENHOR, “muito embora você seja digno e merecedor de muitas coisas. Assim, acolho o seu pedido, com uma condição, você deverá solicitar essa indulgência ao meu Vigário na Terra”.

No dia seguinte, bem cedinho, Francisco acompanhado de Frei Nassau, seguiu para Perugia, a fim de se encontrar com o Papa Honório III. Diante de sua Santidade, falou:

“Santo Padre, há algum tempo, com o auxílio de DEUS, restaurei uma Igreja em honra de Santa Maria dos Anjos. Venho pedir a Sua Santidade colocar nesta Igreja uma indulgência para quem visitá-la, sem a obrigação de a pessoa oferecer qualquer coisa em pagamento (naquela época, toda indulgência concedida a uma pessoa estava ligada à obrigação dessa pessoa fazer uma oferta), a partir do dia da dedicação dessa mesma igreja”.

O Papa ficou surpreso e comoveu-se com o incomum pedido. Depois perguntou: “Por quantos anos você quer esta indulgência?”.

“Santo Padre, não peço anos, mas penso em almas”, respondeu Francisco.

“O que você quer dizer com isto?”

“Se Sua Santidade estiver de acordo, eu queria que todas as pessoas que visitassem Porciúncula, contritos de seus pecados, em estado de graça, tendo confessado e recebido a absolvição sacramental, obtenham a remissão de todos os seus pecados, na pena e na culpa, no Céu e na Terra, desde o dia de seu batismo até o dia em que entrarem na Igreja”.

“Mas não é um costume da Cúria Romana conceder tal indulgência!”

“Senhor, falou o Poverello, este pedido, não o faço por mim, mas por ordem de JESUS CRISTO. É da parte dEle que estou aqui”.

Ouvindo isto, o Papa, cheio de amor, respondeu três vezes seguidamente:

“Em nome de DEUS, meu filho, concedo-lhe esta indulgência”.

Como alguns Cardeais presentes quisessem interferir, o Papa confirmou:

“Já concedi a indulgência. Todo aquele que entrar na Igreja de Santa Maria dos Anjos, sinceramente arrependido de suas faltas e tendo confessado, seja absolvido de toda pena e de toda culpa. Esta indulgência valerá somente durante um dia, em cada ano, in perpetuo, a começar das primeiras vésperas, incluída a noite, até as vésperas do dia seguinte”.

A “consagração” da Igrejinha aconteceu no dia 2 de Agosto do mesmo ano de 1216. Assim sendo, a mencionada indulgência começa às 12 horas do dia 1 de Agosto até o entardecer do dia 2 de Agosto, todos os anos. A indulgência é conhecida com o nome: “DIA DO PERDÃO”. Para recebê-la, o fiel deve achar-se em "estado de graça", rezar um CREDO, um PAI NOSSO, fazer o pedido da Indulgência Plenária, e rezar um PAI NOSSO, uma AVE MARIA e um GLÓRIA pelas intenções de Sua Santidade o Papa.

Igreja da Porciúncula, atualmente contida dentro de uma Igreja 
muito maior, a basílica de Santa Maria dos Anjos, construída 
para proteger e venerar a tradição da pequena Igreja.
II - ENTRE A TARDE DO DIA 1 AGOSTO E O PÔR-DO-SOL DO DIA 2 AGOSTO, VÁLIDO PARA QUALQUER TEMPLO DA IGREJA CATÓLICA NO MUNDO, SEGUNDO AS CONDIÇÕES REQUERIDAS.

A Indulgência da Porciúncula somente era concedida a quem visitasse a Igreja de Santa Maria dos Anjos, entre à tarde do dia 1 agosto e o pôr-do-sol do dia 2 agosto.  Em 9 de julho de 1910, o Papa São Pio X concedeu autorização aos bispos de todo o mundo, só naquele ano de 1910, para que designassem qualquer igreja pública de suas Dioceses, a fim de que, também nelas, as pessoas recebessem a Indulgência da Porciúncula. (Acta Apostolicae Sedis, II, 1910, 443 sq.; Acta Ord. Frat. Min., XXIX, 1910, 226). 

Por último, este privilégio foi renovado por um tempo indefinido por  decreto da Sagrada Congregação de Indulgências, em 26 março de 1911 (Acta Apostolicae Sedis, III, 1911, 233-4). Significa dizer, que atualmente, qualquer Igreja Católica de qualquer país, tem o benefício da Indulgência que São Francisco conseguiu de JESUS para toda humanidade. 

Assim, ganharão a Indulgência todas as pessoas que, em "estado de graça", visitarem uma Igreja nos dias mencionados, rezarem um CREDO, um PAI NOSSO e um GLÓRIA, suplicando a DEUS o benefício da indulgência, e rezando também, um PAI NOSSO, uma AVE MARIA e um GLÓRIA, pelas intenções do Santo Padre o Papa. Poderão utilizar a Indulgência em seu próprio benefício, ou em favor de pessoas falecidas ou daquelas que necessitam de serem ajudadas na conversão do coração. 



INDULGENTIARUM DOCTRINA - SOBRE A DOUTRINA DAS INDULGÊNCIAS

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Quando resistir ao Papa é um dever

O caso singular do bispo Robert Grossateste




Por Cristiana de Magistris | Tradução: Fratresin Unum.com * – O nome do bispo inglês Robert Grossateste (1175-1253) é quase totalmente desconhecido do mundo italiano. Para os poucos que têm alguma erudição, ele é notável por sua genialidade no campo científico, onde suas obras são consideradas de valor inestimável, a ponto de lhe terem merecido o título de “pioneiro” de um movimento científico e literário, bem como de “primeiro” matemático e físico de seu tempo.
Mas Robert Grossetesta foi acima de tudo um Bispo santo, que se distinguiu por seu zelo em promover a salus animarum e por seu amor ao papado.
Mente absolutamente prodigiosa e versada não apenas em estudos científicos, mas também no literário, teológico e bíblico, Robert Grossateste tornou-se bispo de Lincoln em 1235. “Desde que fui nomeado bispo – escreveu – considero-me o pastor e guarda das almas que me comprometo a cuidar com toda a minha força, porque do rebanho que me foi confiado vou prestar estrita conta no Dia do Juízo” [1]. Seu principal objetivo era de “reformar a sociedade através da reforma do clero” [2]. A disciplina austera que exigia de seus sacerdotes era conhecida em toda a Inglaterra: renúncia à recompensa pecuniária, obrigação de residência, reverência na celebração da Santa Missa, fidelidade na recitação do Ofício Divino, educação do povo, total disponibilidade para os doentes e as crianças. Com essas regras, o bispo inglês, além de elevar o nível das pregações e do ensino do clero, queria melhorar sua conduta moral.
Mas uma das características mais originais de Grossateste foi a sua veneração pelo primado petrino, descrita nestes termos por um de seus biógrafos: “O mais interessante aspecto da teoria de Grossateste na formação e função da hierarquia eclesiástica é a exaltação do Papado. Ele foi provavelmente o papista mais fervoroso e resoluto entre os escritores ingleses medievais.” [3]

Tal veneração pela plenitudo potestatis do Romano Pontífice assume um significado todo especial e um alcance mais interessante em relação à sua próxima resistência a Inocêncio IV.

No ano de 1239, em discurso dirigido ao Decano e ao Capítulo de Lincoln sobre a hierarquia eclesiástica, Grossateste disse: “[...] seguindo o prefigurado no Antigo Testamento, o Senhor Papa tem o primado do poder sobre as nações e sobre os reinos, tem o poder de demolir e erradicar, destruir e dispersar, plantar e construir [...] Samuel era entre o povo de Israel como um sol, assim como na Igreja universal é o Papa e todos os bispos em suas dioceses”. [4]

Em 1237, escreveu ele a um legado pontifício: “Deus não permita que a Santa Sé e os que a presidem, aos quais normalmente cumpre prestar obediência em tudo quanto ordenam, tornem-se, pelo contrário, a causa da perda da fé para as pessoas que comandam, o que é contrário aos preceitos de Cristo e à Sua vontade. Deus não permita que para qualquer pessoa verdadeiramente unida a Cristo, não querendo de forma alguma ir contra a Sua Vontade, esta Sé e aqueles que a presidem possam ser causa da perda da fé ou de aparente cisma, ordenando fazer aquilo que se opõe à vontade de Cristo.”


O bispo Grossateste via com horror a simples idéia de desobedecer à autoridade eclesiástica legalmente constituída, pois considerava a obediência como a única resposta adequada a tal autoridade que vem de Deus. Mas a autoridade existe dentro de limites claramente definidos. Não há nenhuma autoridade além desses limites – ultra vires – e recusar-se a obedecer à autoridade quando ela ultrapassa esses limites não é um ato de desobediência, mas a afirmação de que a autoridade está abusando de seu poder. Muitos teólogos, como Suárez, acreditam que é lícito resistir até ao Papa, “se este faz algo manifestamente oposto à justiça e ao bem comum” [5].
Ninguém na Idade Média era tão convencido como Grossateste de que o Papa possuía a plenitudo potestatis. Mas, com os medievais de seu tempo, ele sustentava que tal poder não é um poder arbitrário, e sim um ofício a ele conferido “para o serviço de todo o Corpo (de Cristo)”, que é a Igreja. Tal poder é dado ao Papa para a salvação das almas, para edificar o Corpo de Cristo, e não para destruí-lo. O Papa – nós não devemos nos esquecer – é o Vigário de Cristo, não o próprio Cristo, e deve exercer seu poder de acordo com a vontade de Cristo, e não em manifesto conflito com esta. Deus não permita – dizia Grossateste – que a Santa Sé se torne a “causa” de um aparente cisma, ordenando aos fieis qualquer coisa que se opõe à Vontade de Cristo Senhor.
A ocasião que provocou a resistência de Grossateste dizia respeito ao problema dos benefícios eclesiásticos, cuja primeira função era o cuidado das almas. A complexa relação Igreja-Estado daquele tempo transtornou essa função, sendo os benefícios muitas vezes largamente concedidos a clérigos que não teriam podido (ou querido) de nenhum modo cuidar da grei a eles confiada. Aconteceu de o próprio Papa nomear para [receber] um benefício, uma prebenda ou um cabido, eclesiásticos que com frequência não residiam no lugar para o qual haviam sido designados, ou em alguns casos eram incapazes por um motivo ou por outro de se ocuparem disso. Por sua alta estima ao Papado, Grossateste se opôs a esta prática, que tinha forte odor de simonia e às vezes de nepotismo. Ele aceitou plenamente as nomeações do Papa quando os beneficiários NÃO estavam em condição de cumprir as funções para as quais recebiam os benefícios. Tanto o poder papal quanto os benefícios tinham de fato para Grossetesta um único objetivo: a salvação das almas.

O Bispo inglês resistiu a este estado de decadência com todos os meios possíveis, especialmente através de um uso inteligente e sábio do direito canônico. Em 1250, já octogenário, ele foi até Lyon – onde então residia Inocêncio IV – e confrontou-se com o Papa em pessoa. “Ele simplesmente levantou-se [...]. O Papa Inocêncio sentou-se com os seus cardeais e familiares para ouvir o ataque mais veemente e completo que um papa jamais ouviu em pleno uso de seu poder” (6).
O objeto da acusação era a falta de cuidado pastoral, que colocava a Igreja em um estado de profundo sofrimento. “O ofício dos pastores encontra-se em condições miseráveis. E a causa do mal deve ser encontrada na Cúria papal [...] que provê maus pastores para seu rebanho. O que é um ofício pastoral? Suas funções são variadas, mas, em particular, envolve o dever de visitas (aos fiéis) … ” [7]. Agora, como poderia um pastor não residente prover a seu rebanho? A esta questão nem sequer o Papa podia responder. Grossateste, além disso, ensinava mais pelo exemplo do que com palavras. Anos antes, em 1232, ele havia desistido de todos seus benefícios e gratificações, exceto uma prebenda que detinha em Lincoln, algo que o tinha coberto de ridículo aos olhos dos contemporâneos. Mas ele respondeu com estas palavras sublimes que revelam a nobreza de sua alma: “Se forem mais desprezados aos olhos do mundo, então serão mais agradáveis ​​aos cidadãos do céu” [8] .

A heroica visita do Bispo inglês a Inocêncio IV – heroica tanto pela ousadia do evento quanto pela idade avançada de Grossateste – não teve nenhum efeito. O Papa dependia do sistema de comissão para manter a Cúria e para financiar as guerras intermináveis ​​contra Frederico II.
Em 1253, o Papa deu a seu sobrinho, Frederico de Lavagna, um canonicato na catedral de Lincoln. Grossateste recebeu a ordem de colocar em execução a vontade do Pontífice Romano e encontrou-se num terrível dilema. A ordem do Papa era absolutamente legal, já que ele tinha todo o direito de atribuir um canonicato e, como tal, era necessário obedecer. Mas, apesar de ser legal, a ordem era um claro “abuso de poder”, porquanto o sobrinho do papa nunca pusera os pés na terra dos anglos e, portanto, nunca exerceu seu ministério em Lincoln, para o qual, no entanto, teria recebido o benefício.
Neste caso, o Papa usou de seu cargo de Vigário de Cristo em sentido oposto àquele para o qual ele estava revestido. A resposta de Grossateste foi recusar obedecer a uma ordem que era um claro abuso de poder. O Papa naquele momento estava agindo ultra vires, ou seja, além dos limites de sua autoridade. A resistência de Grossetesta não foi pelo fato de ele desconhecer a autoridade do Papa, mas pela imensa estima e respeito que tinha por esta.
O bispo Grossateste se recusou a dar ao sobrinho do Papa o canonicato da Catedral de Lincoln e escreveu uma carta de reclamação e recusa, não para o Papa em pessoa, mas a um comissário, Mestre Inocêncio, através do qual ele recebera a ordem.
Eis o que ele afirma: “Nenhum fiel sujeito à Santa Sé, nenhum homem que não está excluído pelo cisma do Corpo de Cristo e da Sé Apostólica, pode obedecer a determinações, regras ou outras ordens desse tipo, mesmo que elas viessem do mais alto coro de Anjos. Ele deve rejeitá-las e rejeitá-las com toda a sua força. Pela obediência que me liga e pelo amor que tenho à Santa Sé no Corpo de Cristo, como filho obediente eu desobedeço, contradigo e rebelo-me. Não se pode fazer nada contra mim, porque cada palavra minha e cada ação minha não é uma rebelião, mas um ato de honra filial devido ao pai e à mãe por meio do mandamento de Deus. Como eu disse, a Sé Apostólica em sua santidade não pode destruir, mas somente construir. Esta é a plenitudo potestatis: deve fazer tudo para a edificação. Agora, essas chamadas “comissões” não constroem, mas destroem. Elas não podem ser obra da Sé Apostólica, porquanto são ditadas “pela carne e pelo sangue”, que não possuem o reino de Deus, e nem do Pai que está nos céus ” [9].
Comentando essas palavras, W. A. Pantin, em seu estudo sobre a relação entre o bispo Grossateste e o Papado, escreve: “Parece haver duas linhas de pensamento aqui. A primeira, de acordo com a qual aplenitudo potestatis existe para edificação e não para destruição, todo ato tendente à destruição ou à ruína das almas não pode ser considerado um verdadeiro exercício da plenitudo potestatis… A segunda, conforme a qual, se o Papa ou qualquer outra pessoa ordenasse algo contrário à lei de Deus, então seria errado obedecer, e, finalmente, ao se afirmar a própria fidelidade, deve-se recusar a obedecer. O problema básico é que, enquanto a doutrina da Igreja é sobrenaturalmente garantida contra o erro, os ministros da Igreja, do Papa para baixo, não são impecáveis ​​e podem formular julgamentos e emitir ordens erradas”[10].
“Não se pode fazer nada contra mim”, protestou Grossateste, e os acontecimentos deram razão a ele. Quando Inocêncio IV leu a carta, irritado além da medida, queria pedir sua prisão, mas os cardeais o dissuadiram. “Sua Santidade – disseram – não tem nada que fazer. Não podemos condená-lo. Ele é um homem católico e santo, o melhor homem que temos, sem igual entre os outros prelados. O clero francês e inglês sabe disso e nossa intervenção não teria nenhuma vantagem. A verdade contida nesta carta, que é provavelmente conhecida de muitos, poderia empurrar os outros a agir contra nós. Grossetesta é estimado como um grande filósofo, conhecedor da literatura latina e grega, zeloso pela justiça, teólogo, pregador e inimigo de abuso.” [11]
Inocêncio IV percebeu que a melhor coisa a fazer era abster-se de qualquer intervenção. E assim foi. Nesse mesmo ano de 1253, o Grossateste morreu. Em seu túmulo aconteceram muitos milagres e logo se tornou um local de culto e devoção, nem faltaram tentativas para dar início à sua causa de canonização. [12] A Inglaterra possui apenas um outro santo bispo, John Fisher, cujo amor e lealdade para com a Santa Sé não excedia o de Grossateste. Certamente, se este tivesse vivido nos dias de John Fisher, não teria hesitado em dar, como ele, a vida pela Sé Apostólica. Mas também é certo que, se John Fisher tivesse vivido no século XIII, sob o pontificado de Inocêncio IV, teria resistido aos abusos do poder papal.
O caso do bispo Grossateste reveste-se de particular importância, pois sua resistência não é motivada por heresia, em cujo caso é opinião comum que não é necessário obedecer. Ele não defendeu a ortodoxia católica, mas se recusou a colocar em prática uma diretiva do Papa que ele considerava prejudicial para asalus animarum.
O “caso Grossateste” fez história. Sylvester Prierias, insigne dominicano e estrênuo defensor da autoridade papal, em seu Dialogus de Potestate Papae (1517), citando as palavras e o exemplo de Grossateste, afirmou que o Sumo Pontífice pode abusar de seu poder: “Se o Papa quisesse desperdiçar os bens da Igreja ou distribuí-los aos seus familiares, se quisesse destruir a Igreja ou praticar qualquer ato dessa magnitude, então seria um dever impedi-lo e uma obrigação opor-se a ele e resistir-lhe. A razão é que ele não possui o poder de destruir. Disto se segue que, se ele agisse assim, seria legítimo resistir-lhe”.
Durante o Concílio Vaticano I, o caso Grossateste foi mencionado várias vezes, não para condenar a resistência do bispo Inglês, mas para mostrar que a plenitudo potestatis do Romano Pontífice – não obstante a infalibilidade papal que aquele Concílio estava para definir – tem limites bem definidos, não sendo nem absoluta nem arbitrária.
Ecoando as palavras de Grossateste – “a Sé Apostólica em sua santidade não pode destruir, mas apenas construir” – o bispo D’Avanzo disse no Concílio: “Pedro tem tanto poder quanto quis dar-lhe Nosso Senhor, não para a destruição, mas para a edificação do Corpo de Cristo que é a Igreja.” [13]
E assim, depois de seis séculos, a resistência do maior “papista” dos bispos ingleses do século XIII contribuiu para a definição da infalibilidade pontifícia. Esta é a ironia de Deus, pela qual os Anjos e Santos – e também Grossateste! – se alegram no céu.



*** * ***


[1] D. A. Callus, Robert Grosseteste, Oxford 1955, p .150.
[2] Ivi, p. 85.
[3] Ivi, p. 183.
[4] Ivi, p. 185.
[5] “Se il papa comanda qualcosa che sia contrario alla morale non bisogna obbedirgli. Se prova a fare qualcosa che sia contrario alla giustizia e al bene comune, è lecito resistergli. Se egli attacca con la forza, può essere respinto con la forza, con la moderazione propria di una giusta difesa”: De fide, disp. X, sect. VI, n. 16.
[6] M. Powicke, “Robert Grossateste, Bishop of Lincoln”, Bullettin of the John Rylands Library, Manchester, vol. 35, n. 2, march 1953, p. 504.
[7] M. Powicke, King Henry III and the Lord Edward , Oxford 1959, p. 284.
[8] D. A. Callus, cit., XIX.
[9] M. Powicke, King Henry III and the Lord Edward , cit., p. 286.
[10] W. A. Pantin, “Grosseteste’s relations with the papacy and the crown”, in D. A. Callus, cit., pp. 190-191.
[11] M. Powicke, King Henry III and the Lord Edward , cit., p. 287.
[12] Cf E. W. Kemp, “The attempted canonization of Robert Grossateste”, in D. A. Callus, cit., pp. 241-246.
[13] J. D. Mansi, Sacrorum Conciliorum nova et amplissa collectio, Parigi 1857-1927, LII, p. 715

Fonte: http://corecatholica.blogspot.com.br/2013/10/quando-resistir-ao-papa-e-um-dever.html

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Monge Armênio Hovannés - OS CRUZADOS FORAM O BRAÇO MISERICORDIOSO DO DEUS TODO-PODEROSO

Chegada dos cruzados a Antioquia,Sébastien Mamerot, Les Passages d’Outremer, Fr 5594, BnF


O monge armênio Hovannés [João] que morava em Antioquia durante o sítio cruzado, assistiu à sua subsequente invasão, ao sítio maometano e, por fim à libertação final, num combate humanamente inexplicável, deixou uma crônica bastante pormenorizada de como aconteceram esses fatos:

“(…) Naquele ano [Nota: fala das operações militares do ano 1098] o Senhor visitou o seu povo, segundo está escrito: “Eu não vos abandonarei nem me afastarei de vós”.
“O braço todo poderoso de Deus foi o nosso guia.

[Os Cruzados] trouxeram o estandarte da Cruz de Cristo, e depois de ostentá-lo pelo mar, massacraram uma multidão de infiéis e puseram os outros a fugir pela terra.

Tomaram a cidade de Nicéia e a sitiaram por cinco meses.

Depois vieram ao nosso país, na região da Cilícia e da Síria, e atacaram, postando-se em volta da metrópole de Antioquia.

Durante nove meses, fizeram a cidade e as regiões vizinhas passarem por momentos difíceis.

Por fim, como a captura de uma cidade de tal maneira fortificada não estava na capacidade dos homens, Deus todo-poderoso, por meio de seus conselhos, obteve a salvação e abriu a porta da misericórdia.

Tomaram a cidade e com o fio da espada mataram o arrogante dragão com suas tropas.

Mas, após um ou dois dias, uma imensa multidão de maometanos reuniu-se ao pé das muralhas, para trazer socorro a seus congêneres.

Em virtude de seu grande número, os infiéis menosprezavam o pequeno número de cristãos; eram insolentes, como o foi o faraó, proferindo este frase: “Eu os matarei com minha espada, minha mão dominar-vos-á”.



Sitio de Antioquia,  f 52,Sébastien Mamerot, Les Passages d’Outremer, Fr 5594, BnF.

Durante quinze dias, os cruzados ficaram reduzidos à maior das angústias, e esmagados pela aflição, pois faltavam os alimentos necessários para a vida dos homens e dos animais.

Muito debilitados e espantados pelo número imenso de infiéis, reuniram-se na grande basílica do Apóstolo São Pedro e, com um poderoso clamor e uma chuva abundante de lágrimas, pediram numa só voz, mais ou menos isto:

“Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, em quem nós esperamos e por cujo nome nesta cidade nós somos reconhecidos como cristãos, Vós nos conduzistes até este local. Se nós pecamos contra Vós, tendes todos os meios para nos punir, mas livrai-nos dos infiéis, a fim de que eles, intumescidos de orgulho não possam dizer: ‘onde está o seu Deus?’”


Cruzados formam em ordem de batalha, f 71,Sébastien Mamerot, Les Passages d’Outremer, Fr 5594, BnF 

“E, tomados pela graça da oração, uns encorajavam os outros, dizendo: ‘O Senhor dará força a seu povo; o Senhor abençoará o seu povo na paz’”.

E cada qual se lançou sobre o cavalo e correram contra os ameaçadores inimigos dispersando-os, pondo-os em fuga e os massacraram até o pôr do Sol.

Tudo isso causou grande alegria aos cristãos, e houve abundância de trigo e de cevada, como nos tempos de Eliseu às portas de Samaria.

Por isso eles aplicaram a si mesmos o cântico profético: “Eu te glorifico, Senhor, porque Vós cuidastes de mim, e Vós fostes causa de eu não alegrar a meu inimigo”.

(Fonte: Récitdu moine arménienHovannés (Jean) à lafin d’unmanuscritcopié par luiaumonastère de saint-Barlaam, danslaville haute d’Antioche, pendant lesopérationsmilitaires de 1098. Traduitdulatin de latraductionfaitesurletextearménien par lepèrePeeters, « MiscellaneaHistorica Alberti de Meyer », Louvin, 1946, p. 376, apud Internet Medieval Sourcebook) 

Fonte: http://ascruzadas.blogspot.com.br/2014/02/monge-armenio-hovannes-os-cruzados.html