MAC MARGOLIS
No entanto, o que mais distingue o autoritário de hoje do modelo antigo é sua relação com a mídia. Com audiência globalizada e informação que voa à velocidade da internet, não condiz aos palacianos atuais agirem de forma bruta. Com um olho nas pesquisas, aprenderam a aveludar a mordaça.
Calar a crítica com discurso democrático virou prática padrão em diversos países das Américas. Faz parte da pauta das "ditaduras do século 21", nas palavras do cientista político equatoriano Osvaldo Hurtado - paródia evidente ao socialismo do século 21 de Hugo Chávez, ideário da revolução bolivariana.
Muitas chagas do subdesenvolvimento assolam a América Latina contemporânea. No quesito controle da mídia, os latinos não devem a ninguém. Caso a caso, os abusos parecem até desvios eventuais de uma região onde a democracia ainda está em transição. No seu conjunto, representam uma aberração continental, como ficou evidente na semana passada, na reunião anual da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).
O destaque foi para as nações bolivarianas e simpatizantes, onde os governos partem para cima da mídia com golpes estudados. No Equador, na Bolívia e na Venezuela, o artifício é a lei Robin Hood. Apropriar-se das concessões de rádio e TV dos meios privados para redistribuí-las à mídia estatal e da "comunidade", entes confiáveis, sempre dispostos a divulgar a boa-nova do mandatário.
No Equador de Rafael Correa, a imprensa independente, antes majoritária, encolheu para um terço do mercado. Na Bolívia, Evo Morales quer mais: reduzir a mídia opositora a 10% ou 20% do total das emissoras do país. Outros governos partem para a guerra econômica. Na Venezuela, Nicolás Maduro simplesmente negou à imprensa acesso aos dólares que precisa para importar papel, tinta e equipamentos para rodar os jornais.
Na Argentina, Cristina Kirchner, possessa com a crítica, mandou fechar a torneira da publicidade oficial para La Nación, Clarín e outras empresas editoriais inconvenientes. A meta atingiu 17 jornais em Buenos Aires que já perderam 75% da sua receita de propaganda oficial desde janeiro.
Daniel Ortega, líder da Nicarágua, é mais contundente. Proibiu seu ministério de conceder entrevistas à imprensa privada ao mesmo tempo em que varreu o mercado de concessões. Dos nove canais de TV aberta, oito pertencem à mídia companheira. Na calada do dia, resta a dúvida. Por que os líderes emergentes de uma região em franca ascensão política e econômica fazem vista grossa aos ataques contra a liberdade de imprensa?
Para alguns analistas, a desunião política da região esvaziou os compromissos regionais. O Mercosul virou um clube político com agenda bolivariana. A OEA perdeu-se no ranço antigo entre Washington e o restante. Foi-se o tão celebrado espírito da união que, em 2001, pariu a Carta Democrática Interamericana, pacto fundado na convicção de que uma ameaça às liberdades de um país é um atentado contra todos. Agora, no lugar de princípios, prevalecem os interesses.
Não ajuda que os EUA, defensores históricos da democracia, tenham se calado. Constrangido por flagrantes de espionagem e distraído com conflitos distantes, Washington desperdiçou seu capital moral nas Américas. Melhor para o autoritarismo do século 21.
É COLUNISTA DO 'ESTADO',
CORRESPONDENTE DA REVISTA 'NEWSWEEK' E EDITA O SITE
WWW.BRAZILINFOCUS.COM
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