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segunda-feira, 5 de junho de 2017

Os Sentidos e o Espírito - As Três Vias e as Três Conversões: Pe. Reginald Garrigou Lagrange

Capítulo V

Características de cada fase da vida espiritual

"Justum deduxit Dominus per vias rectas

O Senhor conduz o justo por caminhos retos"

(Sab. X,10)

Vimos as concepções que foram propostas para as três fases da vida espiritual, e especialmente aquela que se apresenta como a mais tradicional. Após haver dito qual a analogia que existe entre estas três fases da vida da alma e as do corpo (infância, adolescência e idade adulta), fizemos notar particularmente como a transição de uma fase espiritual para a outra se faz por momentos dificeís, que relembram aquilo que, na ordem natural, sedá com a crise que acontece aos quatorze ou quinze anos e a da primeira liberdade do adolescente que chega à idade adulta, por volta dos vinte e um anos. Vimos, também, como estas diferentes fases da vida interior correspondem às que se notam na vida dos Apóstolos.

Queremos agora, sob este ângulo de visão e segundo princípios de Santo Tomás e São João da Cruz, descrever brevemente o que constitui cada uma destas três fases dos principiantes, dos avançados e dos perfeitos, a fim de mostrar os momentos sucessivos de uma evolução verdadeiramente normal que, ao mesmo tempo, corresponde à divisão das duas partes da alma (os sentidos e o espírito) e à natureza da graça das virtudes e dos dons, que vivifica a alma cada vez mais, eleva suas faculdades inferiores e superiores, até que o fundo da alma (1) seja purificado de todo egoísmo ou amor próprio e assim se torne todo de DEUS, verdadeiramente e em ilusão. Como veremos, há nisto uma admirável sequência lógica; é a lógica da vida, cuja necesidade é comandada pelo fim último;

<<>>
A fase dos principiantes

A primeira conversão é a passagem do estado de pecado ao estado de graça, quer pelo batismo, quer pela contrição e pela absolvição, se a inocência batismal não houver sido conservada. No Tratado da Graça, a teologia explica detalhadamente o que é a justificação nos adultos, como e porque ela requer, sob o influxo graça, os atos de fé, de esperança, de caridade e de contrição detestação do pecado cometido (2). Esta purificação pela infusão da graça habitual e a remissão dos pecados é, num sentido, o tipo o esboço das purificações futuras, que também comportarão atos de 3 de esperança, de caridade e de contrição. Muitas vezes, esta primeira conversão acontece após uma crise mais ou menos dolorosa, na qual a pessoa se separa progressivamente do espírito do mundo, como o filho pródigo, para voltar a Deus. É o Senhor quem dá o primeiro passo em nossa direção, como sempre ensinou a Igreja em oposição ao semipelagianismo (3), é Ele que nos inspira o bom movimento,' boa vontade inicial, que é o começo da salvação. Para isso, pela graça atual e pela provação, de certo modo Ele trabalha nossa alma antes de nela depositar a semente divina; faz nela um primeiro sulco, sobre o qual voltará mais tarde aprofundando-o cada vez mais, a fim de extirpar as raizes más que tenham ficado, como o vinhateiro que liberta a videira já crescida de tudo o que possa impedir seu desenvolvimento

Depois desta primeira conversão, se a alma em estado de graça não recai mais em pecado, ou se pelo menos logo se levanta afim de caminhar para a frente (4), então estará na via purgativa dos principiantes.

A mentalidade ou estado de alma do principiante pode ser descrita, observando nele sobretudo o que há de essencial na ordem do bem: o conhecimento de Deus e de si mesmo e o amor a Deus. É certo que há principiantes particularmente favorecidos, como os grandes santos que, logo no início, tiveram um grau de graça bem mais elevado do que muitos dos principiantes; assim também, sob o ponto de vista natural, existem prodígios infantis que, todavia, continuam crianças, e então sabe-se em que consiste geralmente a mentalidade daqueles que se iniciam. Começam a conhecer-se a si mesmos, a ver sua miséria, sua indigência e a cada dia devem examinar atentamente a própria consciência a fim de se corrigirem. Ao mesmo tempo, começam a conhecer a Deus no espelho das coisas sensíveis, das coisas da natureza ou das parábolas, por exemplo nas do Filho Pródigo, da Ovelha Perdida e do Bom Pastor. É o movi­mento certo de elevação a Deus, lembrando a andorinha que se eleva da terra para o céu com gritos (5). Neste estado há um amor de Deus proporcionado; os principiantes verdadeiramente generosos amam o Senhor com um santo temor do pecado, temor que os faz fugir do pecado mortal e até do pecado venial deliberado e isto pela morti­ficação dos sentidos e das paixões desregradas, isto é, da concupis­cência da carne e a dos olhos e do orgulho.

Depois de certo tempo desta generosa luta, os principiantes de hábito recebem, como recompensa, consolações sensíveis na oração e também no estudo das coisas divinas. O Senhor faz assim a con­quista da sua sensibilidade, pela qual sobretudo vivem eles; o Senhor os afasta das coisas perigosas e os atrai para si. Neste momento o principiante generoso já ama a Deus «de todo o coração», mas ainda não de toda sua alma ou com todas as suas forças, nem de todo o seu entendimento. Os autores espirituais falam frequentemente do leite da consolação que então lhes é dado. O próprio São Paulo diz (I Cor., 3,2): «Não é como a homens espirituais que vos pude falar, rnas sim como a homens carnais, como a crianças em Cristo. Eu lhes dei leite para be­ber, não alimento sólido, pois ainda não sois capazes de o absorver».

Mas então, o que é que acontece geralmente? Quase todos os principiantes, ao receberem estas consolações sensíveis, comprazem-se demasiadamente nelas, como se elas fossem um fim e não um meio. Dentro de pouco tempo elas se tornam um obstáculo, oca­sião de gula espiritual, de curiosidade no estudo das coisas divinas, de orgulho inconsciente, manifestado quando o principiante fala de­las a todo momento, sob pretexto de apostolado, como se ele já as dominasse. Reaparecem - diz São João da Cruz (Noite Obscura, L.I caps.l a 7) - os sete pecados capitais, não mais sob sua forma gros­seira, mas na ordem das coisas espirituais, como novos obstáculos à verdadeira e sólida piedade.

Em consequência, tem-se nada de mais lógico e mais vital como transição, uma segunda conversão é necessária, aquela descrita por São João da Cruz sob a denominação de purificação passiva dos sentidos, «comum ao maior número de principiantes» (Noite Obscura. Li cap. 8), para introduzi-los «na via íluminativa dos avançados, em que Deus nutre a alma pela contemplação infusa (id, cap. 14). Esta purificação se manifesta por uma aridez sensível e prolongada, na qual o principiante é privado das consolações sensíveis em que tanto se comprazia. Se nesta aridez houver um vivo desejo de Deus, de seu reino em nós e o temor de o ofender, caracteriza-se um segundo sinal da existência de uma purificação feita por Deus. E mais ame se a este vivo desejo de Deus juntar-se a dificuldade na oração ou de fazer considerações múltiplas e raciocinadas e passara prevalecer uma inclinação simples a olhar para o Senhor com amor (Noite Obscura, cap. 9). Este é o terceiro sinal, que indica estar consumada a segunda conversão e que a alma está elevada a uma forma de vida superior, precisamente a via iluminativa.

Se a alma suporta bem esta purificação, sua sensibilidade submete cada vez mais ao espírito; a alma está curada da gula espiritual, da soberba que a levaria a posar como mestra nos assuntos espirituais; aprende assim a melhor conhecer sua própria indigência. Não é raro que então apareçam outras dificuldades purificadoras, exemplo, no estudo, na prática dos diversos deveres de estado, nas relações com as pessoas às quais a alma estava demasiado apegada e que o Senhor algumas vezes afasta repentina e dolorosamente. Neste período, surgem com muita frequência fortes tentações contra a castidade e a paciência, permitidas por Deus a fim de que, por uma vigorosa reação, estas virtudes, que têm sua sede na sensibilidade, se fortifiquem e se fixem realmente em nós. Também podem aparecer doenças para nos provar.

Nesta crise, o Senhor trabalha novamente a alma, aprofunda ainda mais o sulco que havia feito no momento da justificação ou primeira conversão; Ele extirpa as raízes ruins e os restos do pecado <<relíquias peccati>>.

Certamente esta crise não ocorre sem perigo, exatamente como na ordem natural a crise dos catorze ou quinze anos. Alguns nessa ocasião se mostram infiéis à sua vocação. Muitos não atravessam esta prova de modo a poderem entrar na via Íluminativa dos avançados e ficam num certo estado de tibieza; com propriedade, diga-se que não são mais verdadeiros principiantes, mas antes almas retardadas ou enfraquecidas. Em certo sentido, nelas se realizam as palavras da Sagrada Escritura: «não perceberam o tempo da visita do Senhor» (6) na hora da sua segunda conversão. Estas almas, principalmente se estão na vida sacerdotal ou religiosa, não tendem à perfeição tanto como deveriam; sem perceber, elas também paralisam muitas outras e se tornam um penoso obstáculo àquelas que verdadeiramente queriam avançar. Assim, muitas vezes a oração comum em vez de se tornar contemplativa se materializa, tornando-se mecânica; em vez de transportar as almas, são as almas que a carregam; infelizmente pode chegar até a se tornar anticontemplativa.

Ao contrário, naqueles que atravessam esta crise com proveito, (segundo São João da Cruz (Noite obscura L.i cap. 14), ela aparece como o começo da contemplação infusa dos mistérios da fé, acompanhada pelo vivo desejo da perfeição. Então, principalmente sob a luz do dom da sabedoria (7), o principiante que se torna um avançado e entra na via iluminativa conhece muito melhor sua própria miséria, a futilidade das coisas do mundo, da procura das honras e das dignidades; ele se desliga destes obstáculos; é preciso que «dê o passo», como diz o Pé. Lallemant, para entrar na via iluminaíiva. É como uma vida nova que começa, como uma criança que se torna adolescente.

É verdade que esta purificação passiva dos sentidos, mesmo para aqueles que nela entram, é mais ou menos manifesta e também mais ou menos bem suportada. São João da Cruz (Noite Obscura, L I, j cap. 9 fim) já o notou, quando fala daqueles que se mostram menos generosos: «Para eles, a noite de secura dos sentidos é frequentemente interrompida. De vez em quando ela aparece e desaparece; algumas vezes a meditação dedutiva é impossível, outras vezes torna-se facílima... Eles não chegam nunca a frustrar os sentidos de modo a fazer abandonar as considerações e os argumentos; não têm esta graça senão de forma intermitente». Pode-se dizer que têm uma via iluminativa diminuída. São João da Cruz o explica melhor mais adiante (8), atribuindo esta circunstância a falta de generosidade por parte deles: «É preciso explicar aqui porque há tão poucos que conseguem este elevado estado de perfeição e de união com Deus. Não é porque Deus queira limitar esta graça a um pequeno numere de almas superiores, seu desejo é que a alta perfeição seja comum a todos... Ele envia pequenas provações a uma alma e esta se mostra fraca, fugindo imediatamente a todo sofrimento, sem querer aceitar dor alguma... Deus então deixa de atuar para purificar esta alma.., que quer ser perfeita recusando-se deixa-se levar pelo caminho das provações que forma os perfeitos».

Tal é a transição mais ou menos generosa a uma forma de vida superior. Até aqui foi fácil ver a sequência lógica e vital das fases pelas quais a alma deve passar. Não se trata de uma justaposição mecânica de fases sucessivas, mas sim do desenvolvimento orgânico da vida.


Extraído do livro, "As três vias e as três conversões", Reginald Garrigou Lagrange, Editora Permanência, Capítulo V.



Notas:

1)Esta expressão, preferida por Tauler, tem o mesmo sentido que «cume da alma». É apenas a metáfora que muda, conforme sejam consideradas as coisas sensíveis, como exteriores ou como interiores.

2) Cf. o Concilio de Trento, sessão VI cap. 6 (Denzinger n° 798), e Santo Tomás, l-Ilaeq.113 a.l até a.8 inclusive.

3) Cf. Concilio de Orange (Denzinger n°s 176, 178 eseg.).

4) Santo Tomás explica (IJIa q.89 a.5 ad 3) que o ressurgimento é proporcional ao fervor da contrição; quer dizer, se alguém possuía dois talentos antes de pecar mor­talmente e tem apenas uma contrição suficiente, mas relativamente fraca, talvez só recupere um talento (Resurgit in minore caritate); para que recobre o mesmo grau de graça e de caridade que havia perdido, será necessária uma contrição mais fervorosa e proporcional à falta e ao grau da graça perdida.

5) Algumas vezes, o principiante considera também a bondade divina nos mis­térios da salvação, mas ainda não está familiarizado com eles, pois isto não é próprio de seu estado.

6) Lucas 19,44; Jeremias 50, 31; SI.94, 8; Hebr.3, 8; 15, 4e7.

7) Cf. Sanlo Tomás II-II ae q.9 a.4.

8) Viva Chama, 2 estrofe, verso V - item Cântico Espiritual. IV P, estrofe 39, desde o começo.

Fonte: Cruzados de Maria

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